Proposta de projeto internacional de professora da UFRPE é contemplada pelo CNPq
Desenvolvimento de artefatos materiais e simbólicos para conservação biocultural em múltipla escala na América Latina: um estudo sobre metodologias participativas, memórias e subjetividades frente a problemas socioambientais no Brasil e no Chile é o título do projeto proposto pela professora Flávia Peres, do Programa de Pós-Graduação em Educação, Culturas e Identidades (PPGECI) da UFRPE, uma das 742 propostas contempladas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
R$ 170 milhões será o total de investimentos destinados pelo Governo Federal para o apoio a projetos internacionais de pesquisa científica, tecnológica e de inovação na Chamada n.º 14/2023 do CNPq, lançada em julho passado e com resultado final divulgado em dezembro de 2023, sendo o da professora Peres um dos 429 contemplados na Linha 1, específica para os projetos em cooperação com comprovada articulação internacional em que serão concedidas, ao todo, 211 bolsas de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação no Exterior Sênior (DES), 511 bolsas de Doutorado Sanduíche no Exterior (SWE) e 313 bolsas de Pós-Doutorado no Exterior (PDE).
O fomento busca atender projetos internacionais de pesquisa por meio da concessão de bolsas no exterior e recursos de custeio, em todas as áreas do conhecimento, bem como estimular a cooperação entre países latino-americanos, caribenhos e africanos e a diversidade regional, incentivando projetos com pesquisadores das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste brasileiros. Professora da área de Psicologia, no Departamento de Educação e de disciplinas no Bacharelado em Agroecologia e na Licenciatura em Computação, além do PPGECI, Flávia Peres destaca o enfoque interdisciplinar e transdisciplinar da pesquisa, na entrevista concedida ao NINTER.
Entrevista com Flávia Peres
Professora, pode falar, em linhas gerais, sobre o projeto em cooperação internacional aprovado para conhecermos melhor e divulgá-lo à comunidade acadêmica da UFRPE?
Flávia Peres: Aqui no Brasil, nos últimos 10 anos, eu vim direcionando minhas pesquisas para os territórios rurais. Então, tenho feito pesquisas sobre subjetividades camponesas, juventudes rurais, discussões de desenvolvimento de artefatos digitais com a participação de sujeitos do campo, e toda uma discussão necessária nos contextos contemporâneos que venho articulando num campo interdisciplinar que envolve psicologia, educação e computação. Esse grupo de pesquisa, DEMULTS, Desenvolvimento Educacional de Multimídias Sustentáveis, que eu coordeno aqui no Brasil, conta também com a coliderança da professora Taciana Pontual, do Departamento de Informática, e a professora Rozelma França, que é do Departamento de Educação mas que tem uma forte discussão sobre Pensamento Computacional. Somos nós três, as professoras da UFRPE envolvidas nesse projeto de cooperação internacional. Que conta também com professores da UFPE, a professora Jaileila de Araújo Menezes, e do IFPB, o professor Lafayette Melo. Temos alunos de doutorado, doutorandos e recém-doutores participantes e estudantes de mestrado e graduação também envolvidos.

Lá do Chile, nós estamos com a colaboração direta da professora Lorena Medina, que é da Pontificia Universidad Católica de Chile (PUC), o professor Andrés Mansilla, que é da Universidade de Magalhães, e o professor Ricardo Rozzi, que é o atual diretor do Centro Internacional Cabo de Hornos (CHIC), um centro internacional e interdisciplinar, que vem desenvolvendo pesquisas de ponta sobre conservação biocultural, envolvendo uma discussão ética, educacional e biológica necessária nesse contexto todo. Eu entro muito fortemente com as discussões de subjetividade pela minha própria formação em Psicologia. E vou tentar, nessa coordenação, atingir os objetivos e as metas previstas no projeto, que prima por metodologias participativas.

O projeto, especificamente, propõe um estudo de subjetividades, de memórias e de desenvolvimento de artefatos com participação de sujeitos dos territórios em que a pesquisa será desenvolvida. Aqui, no Brasil, vai ser desenvolvida na Zona da Mata Pernambucana. A gente vai fazer um mapeamento de condições territoriais adequadas para a aplicação da pesquisa. E no Chile vai ser situada na região de Puerto Williams, onde fica o Centro Internacional Cabo de Hornos, que tem uma reserva ambiental da biosfera.


Basicamente, a pesquisa envolve a aplicação da metodologia que nós temos desenvolvido no meu grupo de pesquisa aqui no Brasil, a metodologia DEMULTS, que é uma metodologia de desenvolvimento de artefatos com a participação de estudantes de escolas situadas na zona rural. Temos um método que já foi comprovado, aplicado em ciclos de pesquisa-ação na zona rural aqui no Brasil e agora a gente vai aplicar lá nessa região de Puerto Williams, até para ter atenção a elementos comparativos, já que se trata de uma zona extremamente fria, com características socioambientais e ecológicas diversas das do Brasil. E vamos aplicar aqui na Zona da Mata a FILAC, que é a metodologia da Filosofia Ambiental do Campo, uma metodologia desenvolvida lá pelo Centro Internacional Cabo de Hornos com seus pesquisadores. Então é uma metodologia de turismo sustentável, em que se atenta para alguns aspectos relacionados aos contextos territoriais em direção à conservação socioambiental.


Então, do braço brasileiro na pesquisa, nós temos, fortemente, a nossa força com o trabalho sobre memória biocultural e subjetividades. A base que a gente vem desenvolvendo, até pela minha imersão no curso do Bacharelado em Agroecologia da UFRPE, tem me permitido favorecer conhecimentos de base dialógica para aprofundar essa discussão da memória biocultural e das subjetividades no campo. Acho que é uma área que tem um potencial de crescimento muito grande, a discussão de uma Psicologia que atente para outros modos de vida e de relação com a natureza. Nós contamos com o saber-fazer deles, do Chile, em relação à ética biocultural. O Ricardo Rozzi, que é um dos colaboradores dessa pesquisa, é um grande nome, referência da ética biocultural. Tem o modelo das três H's, em que ele propõe essa articulação entre hábitos, coabitantes e habitats. Como é que esses três níveis interacionais nos ecossistemas, como é que isso interage em contextos como o brasileiro, com suas particularidades? Então, acho que tem uma articulação muito interessante na pesquisa. É uma pesquisa interdisciplinar e transdisciplinar, no sentido de que não só são diferentes campos do conhecimento acadêmico observando o mesmo fenômeno, mas que tem a participação local de sujeitos dos territórios também co-construindo conhecimento junto com a gente da academia.


Temos, na UFRPE, o Programa de Mobilidade Acadêmica Virtual, do NINTER, que também recomenda mais fortemente o enfoque inter e transdisciplinar.
Flavia Peres: Eu acho que, se puder enfatizar essa base de diálogo de saberes e de uma co-construção de conhecimento com a participação de sujeitos nos territórios, acho que é uma força mesmo epistemológica que o projeto pretende desenvolver.
Pode nos explicar, a um público mais diverso, do que falam quando chamam artefatos?
Flavia Peres: Certo. Esse conceito de artefato a gente usa no projeto a partir da base da Psicologia histórico-cultural, que é uma abordagem na Psicologia para quem a linguagem é muito enfatizada como sendo a constitutiva do nosso pensamento e da nossa subjetividade. O conceito de artefato diz respeito às construções humanas que são carregadas de significados. Então nesse sentido nós temos construções materiais, mas evidentemente concretas, que são objetos do mundo, e também temos artefatos simbólicos, que são palavras, mensagens, signos que não têm uma concretude física no mundo, mas que também são mediadores das nossas ações no mundo. Então, quando a gente fala de artefatos nesse projeto, a gente está tendo essa visão ampla mesmo, que serão desenvolvidos artefatos materiais, como os produtos desenvolvidos com protagonismo dos sujeitos dos territórios. São, por exemplo, jogos digitais, aplicativos, interfaces computacionais, as mais diversas. Esses são os artefatos materiais, que já temos muitos exemplos em pesquisas do DEMULTS. Mas também desenvolveremos artefatos simbólicos, significados que permeiam a comunidade e suas memórias, que podem ser, por exemplo, em trilhas ecológicas ou nos ambientes de conservação ambiental, resgatando a partir da memória biocultural dos sujeitos que vivem naquele território, por exemplo, nomes de árvores e sementes, nomes de animais, práticas de manejo do solo e de uso de plantas em atos de cura, por exemplo, que têm outras terminologias. Resgatar essas terminologias, que seriam artefatos simbólicos, é uma parte importante da pesquisa sobre memória e subjetividade.


Outro conceito interessante de aprofundar, professora, seria o da biocultura.
Flavia Peres: Sim… Memória biocultural é um conceito que conheci nos meus trabalhos com o pessoal do bacharelado em Agroecologia, pois é a ideia de que há uma coleção de conhecimentos e modos de relação com a agricultura, que é patrimônio de povos tradicionais, sendo importante a memória e compartilhamento desses saberes de modo intergeracional nos territórios. Infelizmente, esse conhecimento vem se perdendo, algo como uma "amnesia" nas culturas que seguem padrões hegemônicos socialmente que, com imposições de modelos técnicos industrializados e com fins de capital no campo, ampliam desigualdades, desvalorização da natureza e deterioração de ecossistemas inteiros. Acabam apagando também a diversidade cultural e suas codependências com outras espécies. Assim, não favorecem nem a biodiversidade nem a diversidade cultural. Estamos procurando aprofundar a discussão subjetiva que há neste conceito de memória biocultural, já que nós somos marcados pelas memórias, muito singularmente, em cada história. Isso interessa para as discussões contemporâneas na área de Psicologia.


No Chile, conheci o conceito e as discussões sobre a ética biocultural, que chamam atenção para a necessidade de uma justiça epistêmica e socioambiental. Como seres humanos estamos implicados em relações complexas e ecossistêmicas que incluem "otros-que-humanos". As metodologias participativas que propomos na pesquisa - FILAC e DEMULTS - podem contribuir com processos educacionais relacionados a esses aspectos éticos e subjetivos.

E no Brasil, como os "otros-que-humanos" estariam sendo vistos pela academia, se for possível dizer?
Flavia Peres: Na Educação e na Psicologia, acho que as temáticas socioambientais vêm ganhando mais atenção e importância em estudos que enfatizam as relações intersubjetivas com a natureza. Acho que é explícito nosso papel nas questões de câmbio climático e nossa responsabilidade para as atuais e futuras gerações. Tem um campo de pesquisas e atividades transdisciplinares que precisa ser ocupado com cuidado, responsabilidade ética e participação social.
No Brasil, temos programas e políticas públicas que podem favorecer esse movimento da ética biocultural. Em relação à Agroecologia mesmo, temos dado alguns passos fundamentais, mas acho que há um fortalecimento necessário a ser realizado junto a outros países na América Latina, entre eles, o Chile, nosso parceiro nessa cooperação. Apesar desses passos, ainda temos muito a criar a partir de modelos que valorizem os saberes dos sujeitos nos territórios, a troca de saberes na construção de conhecimento e o campo como lugar de vida.


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